8.26.2011

Não sou filho de pai nem mãe

Não sou filho de pai nem mãe

Todo o mundo me foi emprestado

Peretença que não pertence

Os dons

A inteligência

A beleza

E todas as coisas materialmente belas

Só são coisas imaterialmente belas

Varas de guarda - chuvas

Ou calçado em ruas desvairado

Os olhos dos gatos prenchem-me todo o vácuo

Há estradas escavadas nas mãos

Sem quaisquer estradas

O rio tem escrito nas uvas

As mulheres de branco

Estaticamente deambulantes

Pela gramática das pernas desgramaticadas

A dissertação

É quando a abelha

Traz a canção sobre a flor

E leva o nectar

Eis tudo o que te quero dizer

Nesta tarde de agosto

Não há nada para fazer

Nada para cumprir

Enquanto o sol

Empresta os ouvidos à areia

E chama toda a semente à morte

Por células de um sorriso vivas

Neste ínico

Neste constante ínicio

de carne perfumada de feridas

Não há nada para fazer

Nada para cumprir Na neve dos pulmões

Senão os braços abertos ao mundo!

manuel feliciano

.

Se a vida te renega

Se a vida te renega

Renega também tu a vida

Não faças como eu que ama às escondidas

Por medo

Que acredita que as nuvens são o jardim onde te sentas
Em abraços de tréns dissolvidos

Que nunca chegam

Ahhhhhhhh não grites para que te acudam por pena

Nem sorrias tão pouco por piedade

A vida não te cobra!

Vai por canas de vento sem raízes

Deixa as raízes para os meus olhos

Enviesados na tua talha

Numa torre de papel descrentes

Porque eu só sonho

Da dimensão de orgasmos entre folhas

A atravessar os músculos dormentes

E não creio

Como quem puxa pelos teus cabelos

E te leva a uma boca que te mostra o mundo

Por este fim continuo

De pedras e horizonte

Ahhhhhhhh não faças como eu

Que vai às peras verdes na angúsita de sargaços

Por demência

Ao dorso dos corpos no sol sem bússola

Só de te pensar ausente

Tão perto dos lábios



Morre, morre verdadeiramente

Talvez seja aí que tu respires

Que as estrelas regenerem o vácuo Das bocas ardentes sem sílabas

Nos versos da terra

Nos troncos trémulos de madeira viva

No respirar masturbante dos teus dedos



A estremecer em correntes de espasmos

Da cor da carne

Que despertam as flores para o cio

Na urna da tua boca



Não como eu!

Suspiro húmido de prata e cinza

Que nem morre

Que nem vive!

Árvore de areia

ideia de só ter sido

alguma coisa que não magoasse





Ah morre, morre, morre, se é a vida que tu esperas!

Real e tocável

Da espessura atordoada da bolina de arfares

Enquanto eu só sou as ancas geladas

De um fogo tão de pedra

Natureza por criar!



manuel feliciano

8.22.2011

Não quero nada

Não quero nada

Nada

Com a força da luz



E dos músculos da chuva

A esventrar os sonhos

Com a tua mão ainda seca

Não propensa ao dia



Os meus ideais

Os meus anseios

Nódulos de madeira

Onde te geras

Em trémulo vestido

A escorrer nos ramos



Ahhhhhh senhor do mundo

São um candeeiro

Feito de terra

Brisa por cavar

Os olhos adormecidos

Que te vêem com sangue



Pó invertebrado do colo

Ahhhh, ninho que me acolhe

Que me enche de ti

Num mar de fagulhas

Tudo que sou e quero

Cheio de tua carícia



Ahh, não quero nada, nada

Com a tua voz dentro da urze

E a noite amadurecer na carne

A água no ciclo do sono

Da larva à borboleta!



manuel feliciano

.

8.15.2011

Limbo das abelhas

Quero que me dês os teus ombros quentes

Do cantar dos pássaros

O teu amor folha de madeira rosa

As horas que não se vêem

Na fundura da pele

E o amanhecer

No hálito dos teus cabelos

Quero que sejas A minha única noite plena de mistério

No luar dos seios

O teu olhar a sibilar na chuva

Dorso do meu dorso

A verdadeira campa

De flores de saliva

Desenhadas no côncavo das bocas

Florestas de âmbar no colo de estrelas

Ah se um dia os bichos inauguarem o nosso corpo

É porque nós já não estamos

No limbo de abelhas

Na navalha do polén



É de cabelos brancos

E de morte

Quando me beijas

Com o atrito das faces

Fonte que arde

Porque nós

Somos das hastes de névoas

Dos arcordes intimos da brisa

O esterno da loucura

Paisagem demorada

O barro por gemer

No tanto que as cabras pastam!







manuel feliciano

.

8.11.2011

Vou pelo vazio do mundo

Vou pelo vazio do mundo



Da cor dos teus sapatos verdes

E dos teus olhos

Pousados na minha garganta

Colhido pelo teu abraço



O teu colo afogado nas varas da minha voz

Na rotação de guarda-chuvas



E as tuas mãos a acordar

A inércia dos músculos

Por caminhos e sinais em branco

Que despem toda a carne



Ah quem me dera que o sol

Entrasse pelos meus poros

E tu fosses sequer a sombra

De um jardim com o teu cheiro

E a tua boca um rio que me afogasse





Talvez assim eu encontrasse a noite

Talvez assim eu visse as estrelas

E os caminhos

Os caminhos a latejar de ervas

Ahhhhhhhhh, mas nem isso

Pudesse eu ao menos acordar deste sono

Para me conhecer! E os teus cabelos bombeassem

Água nos meus lábios com toda a sede

Para eu ver com beleza a tua exactidão

Os ângulos insolúveis dos beijos.





manuel feliciano

.

7.27.2011

Verão quente

Quero-te mais que a pele do teu corpo

Que o céu quer às estrelas

E é só isso que quero que seja a morte

Sono dinâmico do beijo

O meu amor extremo de outro corpo!


Ah se soubesses como te amar

É ter todos os caminhos sem caminhos

É não conhecer mais o fim

Só o das palavras

Que se alongam

Em raízes de barcos

E não mais se desfazem





Em faces na chuva



Ah se soubesses como tu e eu

Somos o céu

E o que fica para além

Que arranhas com as unhas
Ainda todas por sentir

Sempre por sentir

E já se sentem

Bordadas ao pescoço

Como é belo este assombro

De corda de violão que se estica
Do bico à asa
Do céu ao bico
Neste verão escorrendo em primavera
Com uvas doces cheias do teu grito.



manuel feliciano

.

7.20.2011

Seios

Os teus seios, ai os teus seios

Redondos como a alma humana

Silenciosos da cor dos gemidos

Braçada de mar nos olhos

Curvos com toda a extensão

Escrevem nas lascas dos lábios

A mudez a arder de gozo

E enquanto morro é vale vivo

E enquanto vivo procuro o vale

E as palavras curvas

E os beijos curvos

Que voltam ao mesmo ponto

Ao mesmo olhar

Feito de coxas macias

Qual timbre da chuva na cara

Qual sol a beliscar o arvoredo

É quando a terra deixa de existir

Nos teus seios de ardósia e uvas!



manuel feliciano

7.09.2011

Poema do desconhecido

Nas entranhas das uvas em videiras

Alagando o vale da minha alma

Eram de água as pedras nas raízes

Os esteios pontos onde se cruzam

Os olhos que poderiam ser só terra

A terra que poderia ser só sombra

Mas eu crepintando, na folhagem

Entre os arames das ramadas

sou mesmo se a luz não tem mar

sou mesmo se a chuva não tem mais carne

Porque os castelos são de fumo

E o fumo é de terra

E a terra o coração

Ah como as videiras choram e as lágrimas não são suas

E gritam por uma casa envolta num mistério

Uma boca dourada que lhes beba o sangue

Ah mémoria de um impulso que reencarnou um corpo

Por uma morte que nunca aconteceu

Porque já aconteceu e ainda está tudo vivo

O mundo é surreal como todas as paredes

Paredes que são vácuas

Mas são paredes

Estrelas que não têm luz

E luzem

Olhos com cataratas que vêem

Ah materialidade imaterial dos gestos e das coisas

Do que se aperta e desaperta

Projecção elástica de estar vivo

A morte é agora quando abres as asas

E a brisa cardíaca inaugura todo o corpo!

O corrimão que não quer saber das mãos

Cadáver musical de uvas

Por entre a clave dos dentes!



manuel feliciano

7.07.2011

Estás à espera de que?

Estás à espera de que?

O chão é feito de ar

E o sol é feito de chuva

Olha o rio que corre na árvore

Mesmo com as raízes presas

E o rosto quente na neve

Mar que é mar sabe a beijo

Beijo que é beijo sabe a sal

E nós somos tudo isto

Mas tu prende-me

Prende-me

Com as cordas da tua voz

Com que o amor é feito

E colhe-me em amoras nas nuvens

É aí que os anjos estão

De clamor e céu nessa pele

De aurora e brisa

Carne sem mais forma no explodir de estrelas

Húmidas de saliva

A escorrerem pelo tronco

Lâmpada incandescente

Estás à espera de que?

Que os anjos vivam por nós?

Faz dos teus olhos a ponte

É hora de trocarmos palavras

Com cheiro a púbis florida.







manuel feliciano

.

7.02.2011

Pelvis

Ouvia-se uma árvore estranha numa nuvem

Depois a nuvem despiu-se como uma mulher na chuva

A terra toda seca alagou-se

E o pássaro abriu os gomos secos

Na pelvis da terra

A cheirar a carne



E um grito cor de laranja

Relampejou

Entre os braços que já dormiam

Os lábios procuraram-se noutros

Nasceu de uma força mágica

A erva no sorriso

E um silêncio

Mais cortante que a altura das estrelas

Disse-me com raízes de cabelos



Que ser homem

É só metade de si na luz em torno da lua

Num beijo absoluto

É sempre que

Um pássaro transborda a finitude do mar

É Sempre que uma palavra emerge

Nos músculos de outras paredes.



manuel feliciano

6.27.2011

Ó mar

Ó mar, extensa flor

Inundando as estacas do meu ser

É de ninho e de além este sal

De alma que não segura mais as mãos

De sol toda esta ânsia em roda

Movendo a brisa de madeira



É sempre que te penteias

E me trazes cabelos de ti

Neste chão de areias

Que tanto quer o teu corpo



Bocado de mim que me falta

Boca das minhas coxas

Seios dos meus olhos

São teus ó mar

Carne sem mais fronteira

Onde te despes e sonhas.







manuel feliciano

6.26.2011

Eternidade

A terra louca e húmida dos ombros

É noite envolta com os tons da carne

Palavras feitas com gotas de saliva



Gritam-me os dedos

Com árvores sem sombras

E longas planicies

Que desaguam na tua boca

E a tua boca estende-se





A ilha afunda-se deliciosamente pelas mãos

Em acordes de peixes

Que sabem a sóís enleados nos seios

Eis todo o eixo da terra em movimento

Pedal das minhas pernas

Na minha alma circular



Escuto-me e tu estás dentro

Agora sei que não há trevas neste cântico

A cada batida cardiaca no fundo do mar

Esplêndido de céu



Ao confim do que a estrela sobeja

Não somos mais de cal

Não somos mais de treva



Solta-se um grito

Não sei mais de ti

Nem de mim

Só dos astros

Só da plumagem macia que abriu todas as pálpebras



Como um navio a a romper os nódulos do silêncio

A carne prolonga-se para fora

Agora sei onde acabo e começo

Agora sei que sou só berço





Numa pedra

Numa pedra a burilar

A bater no dorso de água tépida

Que amadureceu todas as coxas



Relâmpago de Aiiiiiiiiiiiiiii



É esse grito, esse grito num coração ininterrupto

Cheio de asas que se abrem

Que se prolongam em dois pedaços

De sorrisos e láminas

Até aos planaltos da brisa

A eternidade que ferve



Aiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii

Vertigem de quem se afoga todo em ti

Sangue perfumado de abraços

Flor que encendeia todo o sono

De almas em pernas de animais!





manuel feliciano

6.21.2011

O longe dos teus cabelos

Não é uma vértebra fendida

O longe dos teus cabelos

Na aura do desejo Rodando no fogo

Meu amor

Preciso que acredites

Que acredites

Que o mar é as tuas mãos

Sem limites Mesmo quando as mãos se fecham

Não há esperança não há esperança

A esperança é um jardim sem flores

E eu estou todo florido

Só certeza





Que eu sou o pó que falta na tua terra

Quando os teus olhos se afundam

Nos brancos pulmões das nuvens

Vejo-te ainda mais perto

Mais por inteiro tudo se pode tocar

O fruto nasce todo para a flor

E Ausência é estrelas no meu cérebro

A cada palavra mordida que não te traz


É sangue a exalar da terra E os rios nascem onde eu quero


O que esperas, o que esperas?

Mas o meu coração lateja na terra

Mas como é de ti a terra é véu

Mas como é de ti a terra mar

Mas como é de ti somos só um

Mas como é de ti só vejo sol

O que esperas, o que esperas?

Olhar-me do alto de um castelo entregares-te toda à chuva?

Desce, desce toda sem medo

Que a vida é atemporal

Desce desce mesmo sem sonhos

Traz o teu sorriso maduro de carne

Que agora é tempo só para amar.





manuel feliciano

6.19.2011

Ali

Hoje sei que ali, cume de pedra

É palavra mole na gruta da boca

Sem pernas e joelhos

Luz abrangente no halo que te veste

De aneis dispersos



Que te Quer

Que te Quer

Que te Quer Toda despida

Até ficares bem grande

E entrares pelos meus olhos adentro

Com os teu braços içados na torrente do espaço

Colhendo-me todo

Voltados p’ra fora

Porque eu não sou refém dos cumes

Oh rostos nauseabundos

Eu não sou refém de nada

Aliás, de nada, de nada, que é nada?

Acordar contigo todo por dentro

E a alma a respirar toda por fora

E levar-te por jardins sem o sol no chão

E ali é o teu corpo inteiro

Quanto me sabe a mar toda esta porta fechada

E os olhos sôfegos de ali

Rodam no sol e transmutam em grito

Porque é só aqui esse teu corpo onde amadureço

Repente de asa e aconchego

Num bico de um pássaro nós dois

Não quero saber mais de cumes só do cheiro, só do cheiro

Que vem de ti

Casa plantada sobre o mar

Infinito

Infinito ah não, deixa-me tocar o infinito

Em delírios que só tu sabes

Que a puta da terra é quadrada!



manuel feliciano

6.16.2011

O céu atrás das costas

Não queiras saber de ti





Deixa que o nevoeiro seja a única palavra e face

Pomar perfumado de seios



Todo por Sentir

Célula que inebria Abraço mergulhado no céu



Nem abras o segredo das árvores



Ouve-o desamparadamente sem ouvidos



Deixa-os a cuidar do mar



Até que o eco seja vogal na rotação do corpo



Rima sem mais areia



Profundamente peixe



Sem o limão nas sílabas



Queres mais coração que este?

A badalar na ampulheta Dos lábios que não se vêem

Húmidos de saliva



Prometo-te que as minhas costas abandonadas

Sem pastores e cabras são o céu

Onde eu te apanho papoilas



Onde tu corres, onde tu corres! Porque é que corres amor?

Sem ancas e estrada!

Descendo tudo para cima

Ah, meu Deus, meu Deus, meu Deus

No caroço que resta é mais além



Ampla é a rosa que não se encontra!

E surge sempre de uma mão estranha!







manuel feliciano

6.15.2011

Olha a Lua

Olha a lua, olha a lua, doce amada

Nuvens na paciência

Azul na boca

Tem carne sim, tem carne a lua

Com todo o brilho no mar do céu

E não tropeça sequer nas nuvens

Porque é de rosa o coração.



Lá vai sozinha e às voltas

Como o poeta esta lua

As pernas encravadas só são asas

Escorrendo toda a luz na exaustão

E na escuridão inerte de aço

Supera as loucas fases

O medo e a sombra

Do golpe da faca espetado

No peito ancorado do branco chão

E nem sequer a lua se transfigura

Porque a colheita é só primavera

De riso e choro todo o corpo

Da sobrenatural trasmutação.



Revolve e canta com alegria

O mar dourado dentro do útero

Semente na língua toda para o espaço

Frias as estrelas nas rugas das faces

Na cânfora do gelo a arder na mente

Lambe as frieiras e nunca se esconde

O dias expandem-se na garganta estreita

E vai com o norte e sul aos pedaços

Nos ombros todos na dianteira da proa

Dar as mãos à vida sem nunca olhar morte.





Manuel Feliciano

6.14.2011

Vida

Vida? Foda-se[…]

Eu cá quero a morte, que essa ao menos dura

E crava-me o amanhã com uma boca extensa

Com pulmões plenos sem metáfora

E eixos onde roda todo o sangue

Sem assombro

E o amor nasce mesmo sem elemento



Porque eu cá não quero a vida

Na varanda de um cigarro

Cheia de uma saudade lenta

De um beijo que ainda nem dei



E todo ele já roubado.



Porque essa não se perde e é bem alta





Porque essa não abandona e é sincera



Porque essa traz-me sempre no coração



Porque essa não tem saudade e mostra o mar



Porque essa não vem pintada com duas caras



Porque essa não quer a noite Nos olhos ávidos

Porque essa não traz o rio só pelo meio


Porque essa é um Deus que me quer bem


Porque essa é quem rasga todo o mal

Porque essa traz o Sol que é para todos

E morde a puta-dor que traz a vida

Madura nos ramos do coração

A dizer que te ama, que te ama, que te ama...

a vida ama?

O que é a vida, o que é a vida, o que é a vida?

A esperança

A esperança?

Foda-se a esperança e a incerteza

Eu quero caminhar sobre o mar Sem o abismo

Ouviste?

Homem de toda obra e saber

Com ouvidos de ferro

Chupa, chupa e não te enfartes com tudo

E toma com força

A minha morte, a minha morte, que é tão boa!

Única flor que venero

O fim da dor, mãe de tudo, colo que escuta!

Manuel Feliciano

6.11.2011

Pés

Sabes que mais



Sabes que mais



Os teus pés são a minha aldeia florida



Sei que a mémoria desagua nas pedras e nos troncos



E tu tens que estar





Dentro das pedras e dos troncos



Aqui a espera cansa mas não traz a morte



Porque a morte é trazer-te sempre viva

A morte é só quando um homem quer olhá-la de frente



Que me interessa que os rios desaguem nas estrelas



E tu estejas na altura das estrelas



Que me interessa que o mar seja feito desses troncos



Se tu e eu somos feitos disto tudo

A minha aldeia não tem mar

A minha aldeia não tem barcos

Só pedras e árvores floridas

Só silvados cheios de amoras

Na minha voz à margem de um caminho

È sempre um dia a começar à tua procura

Com a certeza que os teus pés são os meus olhos

Com a certeza que os teus pés são a minha alma.



Manuel Feliciano

6.07.2011

Nuvem

Dentro da água e do pó

Peixes enleados nas nuvens

Na areia sobre o céu

E o mar gritando

Pelo seu espaço

E âmago



Era a boca

A desnudar toda a sombra



Imprópria

Que não sabe de nós

Nem dos ramos

Fogo prenhe

Dos nossos olhos em cavidades profundas

Submersas nas bocas das conchas

Onde

Palavras com eco

Batem contra o pescoço das rochas

E as lapas dos olhos

Esses olhos virtiginosos

Que não suspiram

Pernas enleadas

No fogo de Vênus

E vertem todo o sangue

Nesse jardim

De árvores vazias

E bancos calados

Que os meus braços e os teus

Amplos

De colheita

Abundam Contra a inércia dos movimentos Em frutos cristalizados



Na púbis da flor

Polonizada



Feita de nós

Em janelas abertas

Com memória e Gestos

Correndo nas alturas Como um trém de Brisa

Em torno do mundo







De pulmões solares

Entre as raízes trincando todo o gelo

Do silêncio

E homens tão somente eléctricos

Com carvão na voz Um grito abrindo toda a carne



Que a luz entorna

Entre a frescura de auréolas

Em toalhas de trigo

Escorrendo em sorrisos Curvados Os dedos

Por almas em espuma A pele

À bolina do hálito vence a Lámina Que corta

O sonho Envolto Em Êmbolos Sonoros De cordas





Escava e regenera o verbo seco

Que jaz nas entranhas do que não morre!



manuel feliciano

6.04.2011

Mar

Esta ausência dolorida de caravelas

Colhe na garganta todo o mar



E o mel todo nos pêssegos

E o sol todo na seiva



Aves em janelas de nuvens

Campos de trigo no céu

E eu e tu no centro

Há quem Como eu os veja

A oriente de tudo



Mesmo por debaixo das pálpebras

E o sal a lamber toda a boca

E o sorriso Marinheiros ao longe

Ao longe

Dizes-me que as flores

Luzem ainda sobre o sódio das faces

E os perigos são gaivotas

No abrigo do céu

E que a ausência somos os dois

De mãos dadas

Terra em líquido céu

Chuva que arde

Quando os braços se desligam


E o mar não abraça a ilha

E o amor é pedra leve...

O mundo estende-se mais além

Da cor do nosso dentro

E dá-se-nos em tudo o que falta.





Manuel Feliciano

5.27.2011

Não é um mar

Um não meu amor



É quando as estrelas brilham já desfeitas

E o sol amadurece no céu de argila



E o branco da folha se faz corpo

Com cheiro a terra

E gritos incendiados na seda do barco

Que desprendem os cadiados da chuva

E as palavras no cardume das nuvens

Em cálices de dedos entornados

Num um não

Que sabe dos teus braços abertos

No orvalho de carvão Vivo Por mistério E lonjura Sem fim

Em vozes a baloiçar nos braços trémulos das ondas

Com unhas que avivam o desejo nas cinzas

Ainda por arder

Sempre por arder

Todo em árvore

Ainda por me ser

Já florido Cheio de frutos

Verde de infância Num pátio com plantas Ao faz de conta

Onde tudo é conta

E a conta é sempre

Que burilas sem pressa



Ai amor, estás-me a doer: É não morte Num mar de trigo dourado

E um banco sempre connosco sem sombra





Em que nos salvaremos

Porque somos loucos

Sem mais nada Que nos afunde

Como um jardim que atravessa a alma E evita o mármore

Aquele dia em que um não me sabe todo à tua pele sem areia

E a apanha é um ai que ainda desconheço

Que me sabe completamente à tua boca em floresta!



manuel feliciano

5.21.2011

Água

A água corre

Desprendida das formas

E há sol

E árvores líquidas

Que correm

Em palavras, sonhos e seres

A cada gota

Labial

Que diz tudo sem embaraço



E as pedras

Na laringe da água

Árvore

Fruto

Gesto por ser

E mãos cegamente maduras Disfarçadas

Submissas

Inconscientes Velhas

Náufragas no verbo podre de madeira

A adolar o bolor da lúxuria da imagem

Rendido ao pó que unge toda a cabeça

E os pés no mar em toques de piano

A desviar toda a torrente



É a pedra

O próprio homem

Génio da sua sombra

Alma sem propósito

Servo da riqueza





E a água ? A agua não tropeça

A água… ai como dói esta água pura

A cheirar a alfazema

Num colo de carne

A água que vê tudo

A água que ouve tudo

A água que não disfarça Sem assombro

A água que sente rumo às estrelas

Que as próprias mãos não agarram

E chega bem alto porque se basta.



manuel feliciano

5.20.2011

Antagonismo

Esqueci-me de tudo

Como quem trás o mundo em bocados

Com pétalas de aurora

Escuridão em lume

E as tuas mãos arderem-me nas rosas

Do húmus a ser têmporas

O mar na chuva a escorrer-me pelas pálpebras

E eu

Neste vertical branco de juncos

És-me da cabeça

Do tronco

E dos membros

Na física das nuvens

Húmidas de olhares que se trocam

Nos teus cabelos a retorcer-me de brisa

No labirinto do teu pensamento

No teu abraço a crucificar-me

Lembro-me de tudo

Estás cheia de sede

Com um vestido azul a cegar-me os olhos

Mas não te moves

Porque te moves

E aqueces e esfrias comigo

O sol

E eu quero refrescar-te na memória da água

E tu abres a boca

Punhado de luz nas asas que me levam

A um corpo celeste

Fendido de esquecimento´

Ahhhhhhhhhhhhhhhhh não venhas!

tu vieste sempre àquele

Banco que não precisa de chão

Nem de corpo todo presente

Algures presente

Para quê presente?

Esqueci-me de tudo

Como quem te trás por dentro

O meu esquecimento é uma lembrança ausente

Comestivel como os figos

Do verbo iluminado dentro da tua boca

Que chama por mim Memória salgada com gaivotas

E eu procuro-te nas algas

E no que não há a oriente das faces Tudo com a força

De mosaicos arrancados Inseparáveis

E o sol tão branco é tudo por cantar



Por entre os meus lábios que te trazem!



manuel feliciano

5.18.2011

Fogo nupcial de anjos

Eu sou do próprio pó dos deuses

E mais à frente

Mais à frente

Há um mar só mais à frente

E é só a minha cara

Triste

Feliz

Contente

Nascendo em outras caras

Em outras abordagens

E o meu corpo todo fundido

Fogo nupcial de anjos

No tempo mais à frente

Que só tem mais à frente

Altos voos

Na profundidade marítima das coisas

Minhas

Vossas

Perplexas

Simples luar nas folhas caídas

Com crinças no pátio dos astros

Que sobem… que sobem… que sobem

Basta abrir a boca toda

Braçada de luz

E toda a imaginação

Tocável

Com a forma objecta dos sonhos



E é esse pó que me traz todo em seiva

Peixe

Iguana

Cobra

Março

Rio no rubor gasoso das nuvens

Estendido e amplo

De outono em primavera

Aberto nas hastes dos braços

Velejando nas alturas

E esse pó?

E esse pó? É só um sorriso a querer saber de mim

É só Deus a cravar-me um beijo

Sou só eu

Feito de ti

E tu é sempre que os jardins florecem

Sempre que queremos

E esse pó?

E esse pó?

Viagem de tudo

Ainda por fazer

Sempre por fazer Alagar-se de amor

Estrela redentora

É esse pó que não me quer nunca morto!



manuel feliciano

Giesta

Sou do abismo da Luz

Não existo

Só sinto

Giesta no verde monte

Sem sono

E pomar a crescer

Com frutos ilegíveis



Fora das unhas pintadas

Do morro da inteligência

Na cabeça dos fósforos

Palavra desoxigenada



Sou de outras pedras

De outro tempo!

De um vazio cheio de amanhã

E um ontem por nascer



Não tenho nacionalidade

Não tenho pátria



Não sofro de Mouros conquistados

Nem de Caravelas quinhentistas

Nos pulmões da água



Sou a própria caravela

Sem mundo e história

Mar florido da giesta

A arder-me por todo



Enquanto o mundo quebra

Não sabe de si nem das ervas

Reluz em bocas tão cegas

E as ervas são a minha pátria



Porque as ervas nunca se cegam

Com as sementes e os pássaros

Os rios envoltos em estrelas

E o sol nas mãos de outros seres.







manuel feliciano

5.16.2011

Não mais morreremos

Não mais morreremos



Porque o teu beijo fica para além





Dos barcos submersos Na voz do mar



Dos ouvidos

Deixados no silêncio das pedras





No fundo do abismo e das ilhas



Desencontradas

De estrelas apagadas no escuro



Das areias sem conchas



Da existência húmida dos ferros



Que a nossa boca

Fez flor

Planicie extensa

Palavra prolongada

Braço não palpável



Enquanto iamos ao fundo



De todos os frutos que não vimos

Numa visão longínqua

Vestida de uma manhã

Cheia de sementes e pássaros

Sedenta

Descobrimos o milagre

Fora da armadura do corpo

Amadurecemos sem sol

Colhemos só de querer O firmamento da rosa

Sem margens

Nas faces E fomos





Por entre línguas trémulas que não mais acabam.





manuel feliciano

5.15.2011

É dia

Sairemos de barco

Mas não pelo rio

Com a boca verde
Dentro da janela
A remar contra as nuvens

Só pela montanha
De pedra em pedra
De ramo em ramo

Por coisas distantes

Pelos gritos

Contra a desconfiança


A incerteza

O dia no qual não punha nada

Os punhos fechados na boca

Na impressão das imagens
Vestidas de madeira viva

De mar
Dia pleno
E justiça

Que te celebrem bem alto os ombros



Para fazer um jardim que nos mereça.




manuel feliciano

5.14.2011

Cântico Comum

A terra nem me causa amor

Nem desconforto

Só espanto



Nem a memória

Humana

Presa

Temerosa

Feita de sol e barro

A idolatro



Porque a memória é uma gaveta

Que não conhece a altura dos Deuses

Escondidos no abismo



O meu coração é pobre

E não corre atrás de nada

Porque o rio não corre atrás do mar

Deixa-se ir pela encosta

E não pugna pelas flores

Que latejam em jardins

Apanhadas há tanto tempo



Nem por sorrisos

Que se passeiam nas ruas

Mas que dormem

Sossegados na pele

Desde sempre cheios de vida



Não digo à torre alta:



- És a virilidade e a perfeição do tempo



E à torre baixa:



- És a margarida inacabada…



Não vivo como quem quer arrancar tudo

A nuvem que é nuvem também erra

E eu como ela caio

E eu como ela me evaporo

Em rotação constante



Sou um mero caminho acidentado

Não mais que um baldio de terra

Nas letras das ervas

Sem cicatrizes Embora doa

A urze e abelhas

Porque a vida e a chuva

Ardem mas não são lenha

E não nos deixam as cinzas

Senão a boca que transborda

O amor sublimado



Nas palmeiras do tempo

Entre bichos e coisas que são de um cântico comum!







manuel feliciano

5.13.2011

Urbi et Orbi

Deixa-te só ser árvore



Porque as árvores não se cansam



Cantam com alegria a fome



E abraçam para cima



Mesmo se os navios se afundam



No ciclo umbilical da seiva



A transbordar de ternura







Se és pobre ama com as mãos cheias



Sem quereres saber de ti



O mar inventa-o nas pedras



Porque as pedras são liberdade



Palavra sem freio ao vento



Mulher madura em fruto



Mar no colo de outros mares







Não reclames a pátria para ti



Porque a pátria é uma parte da beleza



Mas tu és da poeira ancestral



E nasceste com o propósito do mundo



E o mundo é do segredo da abelha



Que a simples asa ausenta



E só o mel é que faz jus aos teus olhos!





E os teus olhos magoados



Com o pássaro que caiu do ninho



Não choram só porque chove



Não riem só porque está sol



Estão envoltos numa outra esfera



Que sonha abrir a primavera



E morrer com a boca em cântico





Como quem morre de amor e é



Imagem musical absoluta



A única palavra muscular



Ave azul em pleno voo



Que toda a realidade é abstracta



Desfeita em veias do desconforto



Onde corro em plenas águas





Acaso que sabes das coisas?



Do ombigo que nada ouve



Da noite que abre os braços às estrelas



Da força que gera o mundo



Senão que inutilemente existes



Na eternidade que te conhece



Mesmo se te diz sempre que não



O não é um Deus que te sabe por inteiro.





manuel feliciano

5.11.2011

Pomar Vermelho

Granjeio o teu nome

Num pomar vermelho

De caravelas lavrando a espuma

Silêncio com sons que rasgam

Gritos em cavalos de sol

Que não se ouvem

E ecoam nos dentes

E a língua

Na omoplata do olhar

Desenha-te em sílabas

Em raízes de cabelos

Que Justificam todo o corpo

Ausente

Reflectido

Aqui e agora

Na fronteira sem linha

Antigos caminhos que me moram

Na explosão da estrela

Vivificada da pele

Onde me abraças e não sentes

O mistério da minha boca

Mar do azul das tuas pálpebras.







manuel feliciano

5.09.2011

Alma

Sofro por uma lágrima tua

Que me incendeie todo o corpo

Que me faça vislumbrar a alma

Esse pedaço fechado que levas nas tuas mãos

O que preciso para ter-me por inteiro

É uma lágrima a cair

É eu a querer saber de mim



Esse pedaço fechado que sabe mais

Que todos os olhos abertos

Não menos que as Ovelhas no pasto

Não menos que o Movimento da terra



É gotas de um sorriso no mar

É carne do meu sentir

Abrindo-te todas as mãos

Príncipio que não tem fim



Tão fechado

Tão fechado

Pedaço que sinto e não vejo

Falésia que me abre o céu.





manuel feliciano

5.07.2011

Cadavre Excquis

São de água os barcos submersos na cidade

A idiotice passeia-se em farois brancos

Que os mosquitos engolem sem misericórdia

E há tudo para sofregar numa manhã verde

Árvores dos pensamentos à tona das ruas

Enrolados num cigarro que poucos vêem

E a infância lateja nas folhas secas

E os olhos transbordam para outra face

Onde o sol não morre feito um cadáver





Disseram-me que havia

Uma mulher na praça

E que vendia

Costas nuas

Casas de fumo

Raios de felicidade

Noites sudorentas no cio dos corpos

O orgulho a desfalecer no leite

A raiva amolecer nas aves

E um suspiro quase a ser céu

O filtro do crépusculo em interditas pedras

Para não ser mais

Por detrás do sol

A terra em movimento inverso

Os lábios brancos

A inutilidade do espaço

Os rios varonis com todo o aço

O desmanchar do lume

Que nos traz à tona.



E eu comprei

Móveis que se dobram na boca

E se penteiam na lua

E não se confinam aos limites

E riem-se vergados de frutos

E nos despertam do sono

E nos enchem de outras ruas

No cérebro de outras lâmpadas

Um velho a perdurar no limbo

Um ninho sem um triz nos lábios

Fintei a firmeza da terra

O húmus no transcurso dos teus dedos

Onde escorrem as almas todas

E a dor é quando

O teu beijo é estrela amor

Face que dispensa toda a sombra

Quando me volto para ti.





manuel feliciano

5.05.2011

Para além das coisas

As flores secas num lugar improvável



Deram-nos as mãos num jardim verde



E os cânticos dos pássaros que não estavam



As maçãs douradas no gume do riacho



E as palavras adormecidas no sangue das folhas



Era a maravilha das fontes a desenlear



O nosso próprio amor a arder noutra vereda



E o vazio era um seio quente



E a inquietude as línguas no sossego do céu



E o fim o ciclo húmido da rosa



E a secura soube-nos a água pelos braços



Dos pés a cabeça a latejar na brisa



O verbo a refulgir nos ângulos já mortos



A vida prolongada em pedras maduras



Pingou-se-nos o corpo na constelação dos olhos



E os pés seguiram mesmo fora dos muros.











manuel feliciano

Do nada

Aí vem ela das sombras

Das cinzas

Dos lábios em terra seca

Invernos que mataram

Cheios de séculos

Destinos e labirintos

E a carne toda em brasa

Na cinturinha das flores[…]





Quero-te prender



Para que não saias do limite

Saindo fora de todos os limites



E te saborear

Saborear com gostinho

A a doçura do teu pólen

Na crosta

Inflamda da flor

A tremer





Depois da boca do gelo

Ter queimado toda a erva

Ter exclamdo toda a morte

Tu Sofres-me



Como raízes no cérebro

Como algo que só entendo



E por isso eu corro[…]

Como uma lâmpada do nada

Acesa com todo o seu escuro

Cheinha da tua voz[…]





Para te ter

E te deter

E escrever

E lamber

Os teus ombros

E abismos

E cabelos que não findam

E os cantos que a tua face

Esconde

E caminhos que desconheço

Como quem os conhece a todos





Mas tu[…]

Como és desejável tu

Com as tuas mãos fresquinhas

Sofregas para me nascer[…]

Porque és do abstracto das coisas

Só me deixas o perfume

E uma música a parir

O teu corpo a consumir-me.





manuel feliciano

5.04.2011

A angústia

Disse-me que havia um jardim

Onde os ramos eram rouxos

E que os desejos doiam

Mais que as cicatrizes da carne

E o sol ensopado de noite

Sabia à brancura dos frutos

E só a beleza escoava

Na dor azul tão réptil

Mas que as pálpebras inflamadas

Embora maduras para a apanha

Fazem parte de outro Outono

E que os pássaros eram outros no diadema do sangue

Que cinge a sua cabeça.



E quando a espuma lhe abraça a cara

E quando o sal é flor vermelha





O frio é árvore que abraça

O sulco dos olhos jardim

E a terra negra uma estrela

O único cérebro do corpo.





manuel feliciano

5.02.2011

Colo inóspito

Hoje todo eu sou uma larva

E o meu céu é uma maçã

Lançada ao vento

Nos olhos da terra

Voltados para as costas dos pinheiros

Para a visões que não engolem

E a caruma é o mar verde

E as minhas mãos sombras de pomares

Onde tu estás tão presente

E o meu grito é silêncio

Mas tem carne

O hálito da tua boca

Cheira à flor da tua pele

A cadeira onde te sentas e tomas amor comigo

Numa chávena sem fundo

E as madrugadas onde tu não estás



E as palavras fechadas dentro das cartas

Tão abertas como se a vida as quisesse



E o teu colo as acolhesse

São patas de caranguejos

Fogem da espuma do mar

Atravessam os limites da vida

Sem as rédeas onde as pernas tropeçam.

5.01.2011

Massa de ar

Quero a boca esmagada de ternura

E um sol de pedra que me mate a sede

Para que siga por esta carne fraca

E em silêncio escute a voz das silvas

Com os meus ombros de lata tumefactos

Porque eu quero o amor num tronco seco

E um céu de árvores com aves e estrelas

E entrar na casa húmida e transparente

Com pilares espetados dentro da massa de ar

Como se esteja agarrada aos músculos



E o chão já nem sequer valha nada […]

quero tudo isto

como as raízes das nuvens

Em hélices de aeronaves

Fogo e água

Riso e choro

Morte ilusão

E a vida palavra sem porto

Rolando às cambalhotas



Sem os olhos presos a amargos vimeiros

E à escuridão que cega

Me rasgue todos os meus olhos

Como a chuva que transborda a moldura da boca

E desagua nas pedras mesmo sem rio e leito.







manuel feliciano

4.30.2011

Asas quebradas

A chuva que clareou
Pela verdura dos montes
Nos olhos azuis dos sonhos
Em verticais navios
Desertos por marinheiros
Nas ondas ferradas dos dentes
Pelos ombros dos pinheiros
Despiu-se numa mulher de aveia
Nas rochas trémulas da boca
E só nos deixou uma sombra
Que incendiou o sol por dentro.

manuel feliciano

A espera

O sol arrastado à cabeça de uma junta de bois

E tantos de nós com as pernas

Lavradas nas entranhas da terra…

Na aliança de dedos sem aneis

Disseram-me para esperar foda-se

Coisa estranha a puta da espera

Os braços sem braços

As pernas sem pernas

Até para nascer eu tive que esperar

Mas se ao menos esperar valesse a pena

Para a puta da vida me abrir as pernas



Estes dias de Ulisses na ilha de Calipso

E a Penépole a tricotar na minha garganta

Seriam ainda alguma coisa

Senão hoje vai ter mesmo que ser

Comer um desejo embalsamado

Esperar por uma noiva que tarda em chegar ao altar

E pensar o céu num canteiro

E ter que fazer disto um navio

E ter que fazer disto um Deus amável

E ter que fazer disto uma vida de santo

E ter que fazer disto um doce veneno

Depois que os bois lavraram estas entranhas

Há ratos à superficie

E as cobras atentam contra os ratos

E os ratos fogem da cobras

E eu fujo de tudo isto

Será que eu sou daqui caralho?

Deste jogo de cabra cega

Batendo com os cornos no muro

Como se não haja muros e cornos

E se ao menos o que eu digo fosse uma curta metragem

Mas não…esta merda é crometrada em câmera lenta

Para ser chupada

Lambida

Expurgada

Para entrar no céu completamento limpinho

Sem a toxiciade da nicotina

Não fossem os meus sonhos

A medula de uma pedra

Onde é que estavam todos os meus Deuses?

Onde é que eu poderia tomar um duche

Na maçaneta de uma porta

Onde é que eu poderia estar contigo definitivamente?

Com ternura

As mãos frescas e prontas

Com inocência e vulva

Na boca fresca da brisa

Com os joelhos em sangue nos meus olhos

A lembrarem duas flores vermelhas

Ah não vou gritar porque nenhum Deus vem salvar o mundo

Porque os Deuses também são escravos

Porque os Deuses esperam por tudo

Porque os Deus também são vítimas

Porque os Deuses também estão fartos

Desta máquina enferrujada que tinha que ser podre para ser vida!



manuel feliciano

4.29.2011

Estrada adentro

É agora é que eu preciso de uma rua na minha garganta



E que tu ma possas pisar até doer...



Que a sola húmida dos sapatos

Que usas cor de rosa

Igual às rosas que gemem sempre em todas as primaveras

Sejam veados livres pastando na minha pele

Cheia de erva e pasto





E a tua respiração

A estrada repleta da carne do chão

Onde eu ouço as bocas que afinal





Não morreram





Acredita comigo



Que a minha garganta é a mesma das pedras da tua rua





Que as luzes todas que escutas é o mar

E o mar é a tua voz



E a tua voz sou eu contigo

O sol e a noite

A noite e o sol

Todos os dias na poeira dos ósculos que os rios engolem

Pela minha garganta até ao estômago

Sedento de peixes



Enleados aos teus ouvidos

Que é o nosso céu e as nuvens

Mortas por chover

Como couves mirradas por água



Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh

Não fiques à espera de nada

Espera como quem corre para os meus braços

Rebentado ainda mesmo no Inverno das árvores

Nos desertos onde os barcos não crêem



Mas eu creio em ti meu amor

Como é que eu te posso dizer que creio em ti sem joio

Que as minhas pernas tolhidas

Estão cheias de um oceano mais alto que céu

E as minhas lágrimas estão cheias da tua cara

E que a tua alma agoniada

É um veleiro que me pesa e arde no cérebro

O sangue alimentando as estrelas







Mas pisas-me, pisa-me

Sempre que fores à missa ao Domingo

Não te esqueças que eu sou uma parte do domingo

E que os dias não teriam o mesmo sentido se não fossem pisados.



manuel feliciano

4.27.2011

O luar das sombras

O mar prolonga-se nos cabelos das árvores

E as árvores sulcam a frescura do mar



Os dias não se bebem no latejar dos astros

SER é o único tempo

Enlaçado a todo o recomeço

como se os olhos magoem toda a verdade

Inocente

Pequena

Abismal

Enquanto que gotejamos na garganta das flores

Pensamos que não sabemos das flores, árvores e astros

Mas tudo isto nos arde



E nasce, sente, e envelhece connosco

E sentir é a visão do mundo

As únicas mãos pálpaveis

E a morte enlouquece-me com tanta vida

De meninas

Na sombra verde das árvores Como a brisa me encarne

Nas asas húmidas de frutos

Porque eu me dou todo por inteiro

Até que o grito infinito do amor

me colha nas pálpebras do berço

Onde até os Deuses choram

Com a mesma boca que me oferecem

Uma criança constante!



manuel feliciano

4.26.2011

Luar de sangue

Fiz do silêncio dos olhos

As palavras dos nossos braços

Do cérebro inflamado

A andorinha do teus pés

Da garganta com ponteiros

O teu vestido tão líquido

Da espera empedrenida

Um candelabro na boca

No chão que falseia

A ponte que nos segura

Do peito desfeito em terra

Duas bocas desejosas

Da exaustão em sangue

O teu corpo no céu

Mesa do meu prazer

Para finalmente comermos

O muito que ainda nos sobra!



manuel feliciano

4.25.2011

Viris Sombras

Hoje uma voz disse-me que eu era eterno

E que as pedras afinal têm garganta e carne



Como que um vulto a engolir o deserto

E uma pápebra a consomir-me todo o pó

O pó de andar sempre à procura de não ter pó

E brilhar num grito

De uma púbis tão virgem

Cheia de palavras

E de um tesão branco



E uma laranja inchada respirou-me a alma



Que vida tão lubrificada escrita nuns lábios tão surdos





Que têm a sabedoria de ter a surdez do teu pântano

Retalhado nos collants do céu



Como se um choro enraizasse nas têmporas do tempo

E uma luz lambesse bocados do escuro



Com galáxias dentro de um lugar inabitável

Cheios de seres sem corpo

Uma noite coube-me toda na vulva da voz

De uma memória tão húmida

E gástrica que me ardeu nos neurônios

E o amor ressucitou pássaros de ervas já secas

E as minhas mãos



Onde estavam as minhas mãos?

Num décimo andar

Onde nenhum homem se lembra de cobrar impostos

Nem ninguém pensa dactilografar

No meu umbigo

Abelhas nos vasos das flores do canteiro

A sociedade vista de cima

Sombra do meu pênis a latejar

E ainda bem que se esqueceram de mim

E todos os frios se lembram de me trazer

Os teus seios para me aquecerem

Que não me trouxeram a esperança mirrada nos figos



E porque as minhas mãos estavam livres

Mamei o leite nas friestas da fome

Como quem vê o rio

A fugir ao longe

Trémulo de febre

Nas águas furtadas de um telhado





E ao longe num ocenano que eu mesmo desconheço

Eu esculpo nesta cicatriz com quem a purifica

O amor que ainda é uma árvore dúctil a nascer na chuva





E dou por mim a vir-me na quilha de um navio

A foder todos os séculos que ainda estão por vir

Que todos os que já foram não me sabem a nada.




manuel feliciano

4.23.2011

Mísero oferecer

Se era para me dares as tuas mãos

Que não tinham fome

Se era para me dares os teus olhos que não tinham sede

Desses-me antes punhais

Que os fazia anjos

Desses-me a noite que eu a tornaria lua

Trouxesses contigo o cantar do Outono

Que tem a miséria de ser grande

E de me iluminar toda a minha alma

E me dar as flores que a Primavera não soube!



manuel feliciano

4.21.2011

Matéria Evanescente

Os teus olhos

Leio-os, até ao fim desse livro virgem

Desse mar do qual sou estranho

E dói-me o ruido dos pés



De feiticieiras ancestrais no absurdo dos muros que se prolongam



E o mole do beijo é tão duro.



O que sou? Pergunta-me uma noite de aço

Uma galinha sem crenças na lama.

A voz que sobeja por fora Sou tudo sem razão e ossos

E não consigo transbordar as margens. E o lábios não calculam o íntimo





E a memória rasteja a meio da ponte



Puta que pariu a máteria

Gritou-me uma voz de um tempo longo







E vejo o eco da minha sombra

Nos corredores evanescentes da boca.

Nas massa muscular do corpo

E os galhos de árvores voando nas aves



Sou muito mais que esta terra velha e seca. Que a surdez dos operários

Que a imagem obsuleta e escura

Num vestidinho cor de rosa

Eu vejo como a água corre

No cantar dos frutos



Os olhos são um lugar que nada veem

Tenho as mãos tão sofregas por nada saber dos olhos

Senão dos raios que lhes engolo

Mas os olhos são um lugar de assombro

São quando te beijo

Um livro fora de todas as leis do tempo

Nas malhas da pele.



E eis que ela me esmaga com as coxas

Como se uma mão me arda mais além

E me mostre o incógnito voo. O que me dá a percepção de alguma vez os ter visto.







manuel feliciano

4.20.2011

Medo de existir

Há um medo ao longe dentro de mim

Que nasce fora de tudo

Como eu seja o longe e todas a coisas me gritem

Digam-me quem eu sou

Que eu estou cego de tudo

Num clarão das madrugadas

Quebrem todo o meu medo

Numa boca quente

Terna de misericordia

Como se uma sílaba me falte nos cabelos

E as reticências não cessem as fontes

Onde eu danço despido

Tão despido que só posso ser

Eu

Tu

Nós

Flor e sombra

Floresta e sol no moínho das tábuas

E o silêncio da eternidade

A refazer outra voz

Porque eu não sei de mim nem da coisas

Como as conheça

Como as sinta a palpitar

Numa voz que me arde no peito

Que eu sinto no crepúsculo da língua

E me esconde de um qualquer lugar

Que me abraça e descontroi

Tenho medo

Como a minha mãe comigo ao colo

Não seja mar

Lágrimas e sorrisos embrulhados nos dedos

Mel nas flores e nas abelhas

E o coração Estrelas com gotas de amor

Como se tudo isto não baste

E a maravilha não me arda na garganta

Como eu esteja em tudo e pense que é só deserto

Este braços grandes da matéria dos lagos

Tenho medo

Como se o cheiro te esconda por detrás

E te diga não com a boca enrolada em névoas

E um corpo nasça do nada

com o sol a querer espreitar.









manuel feliciano

4.19.2011

Páscoa

Pensas que amei essas lágrimas em cachos

A voz abrindo-se no útero das tábuas

As palavras nos ouvidos dourados das folhas

O coração sempre do mesmo lado

E os pregos no lugar dos dedos

As andorinhas ácidas na boca



E o amor de mãe em carne viva



Pensas que fiz uma vénia à múmia do mundo

A latejar de morte

E clamei pela casa desfeita

Num sorriso derrocado

E amei os gestos sem nenhum umbigo

Pensas que exaltei



As coxas da neve

Uma árvore despida

E as moedas de César

A espada que nada sabe da ternura

E os lábios que tudo sabem sobre a espada



Pensas que quis

Toda a brutalidade do homem

A podridão dos seus actos

Toda a alma suja e porca

Neste altar feito de esperança

Íngreme como um luar de Inverno



Quero que saibas ainda hoje que:





Vomito o chão e as suas visceras

Digo à brisa para expurgar o sal

À boca para não saber mais de si

Aos olhos para se envergonharem

Ao corpo para se desfazer nas nuvens

E ao sol que não traga consigo uma cruz

E o teu sangue que seja sempre uma flor a nascer

E a tua dor uma ave que quebre todo o céu rochoso!







manuel feliciano

4.18.2011

laivos de liberdade

A liberdade sabe-me a uma mulher cheia de frutos

E quando os toco

os saltos

abundam-me por inteiro na garganta.

E o tronco a desaparecer nos olhos é o sol

E o vestido a elevar-se em estrelas é uma brisa

E a unhas cravadas na carne é o céu

E os morangos esmagados entre os dentes

É um avião pousado na água

E a flor a abrir-se é um grito de ferro

Na popa azul de um navio

A culpa é do mundo

Pediram-me para ser livre lavrando os meus próprio ombros

Desenhando a vênus de cristal com o meu suor

Esculpindo desejos nas pálpebras douradas

Pediram-me para ser libre

Fazendo de conta que ela existe

E o meu corpo é toda uma gaiola aberta

E o meu pensamento é uma dançarina nas nuvens

E a liberdade é só para aqueles que brincam

Ainda com as mãos tenras de pétalas

Em asas desencontradas

E vão sempre em frente como quem se refugia no útero

Iguais a si mesmos

Contra palavras

E vozes

E gestos endurecidos na terra

E pensamentos atados aos cornos de um bói

Mordendo em arados.

Que em nada acendem este luar de Inverno!







manuel feliciano

4.16.2011

Mãe

Quando quieseres dizer que me amas: diz mãe

E o coração saber-te-á por inteiro





Não me abraces: diz amor amor em gestação

Depois acarícia o feto e alegra-te

Como uma flor transformada

Com a voz dentro de outra voz.





Não me beijes: Sente a tua barriga em lume

A iluminar-te sem peso

Com o teu corpo vergado

E um pouco mais de ti a estender-se

E o teu eu em outro eu.



E se por ventura chorares

É porque às vezes o choro é uma forma de sorrir profunda

E o amor é um filho dentro da boca

E o ombigo é o rio que nos enlaça



Quando quiseres dizer que me amas: diz mãe

Mas não te esqueças com o mar nos lábios

Porque o amor dói como o sol em carne

O amor é morrer para ser outro.





manuel feliciano

4.15.2011

Dias improváveis

Da vida eu não sei nada

Mas este nada é da força das árvores ancestrais





Se as flores não choram

Em mim choraram tudo

Se não sorriem

Em mim sorriram tudo



E a terra meu amor

A terra de que todos temos medo

A terra não nos consome o sorriso

Nem os sonhos

Nem a ternura com que trocamos

Beijos na fonte

E a terra só é fonte e beijos

Um lugar cheio de lugares um não para todo o sim

A vida é o sentir das coisas

A vida dispensa todo o corpo

A vida é sempre que Deus queira



A vida não tem muros que a impeçam

E algemas que a agarrem



Ah maçãs, doces maçãs!

Que morreis para o amor da vida

Na vermelhidão das bocas

Alguém sabe alguma coisa sobre maçãs?

Quando a humidade do sumo procura a língua

E atravessamos todo o rio da eternidade



Alguém as saboreia de facto

E engole a brisa que lambe a ânsia?

Quando serpenteamos lugares com os olhos fechados

E seguimos veredas sem qualquer corpo

No êxtase sagrado dos sentidos

Há uma verdade que nos fala sem boca

E desaguamos nas coisas improváveis

Como se o amor desprenda os ferros

Como se a voz se prolongue



Ai tenho os meus olhos cheios de um grito de luz

De gente cheia de vida

Que a escuridão aborta

A atravessar o dorso da montanha como o sol

E dói

E sabe a dias incontáveis

Ai ânsia do que não morre

É urgente que mos sintas.

manuel feliciano

4.13.2011

Ausência em corpo

E quando não te tenho também te tenho

E a tua ausência escorre-me em fetos nos olhos

E não te ter é ter-te duas vezes

E quando não te tenho é amor

Porque as coisas existem dentro e fora

Porque as coisas existem mesmo sem boca

E a brisa tem a propulsão do teu corpo

E o mar o eco do teu olhar

E as minhas mãos são duas árvores cheias de ti

E as minhas lágrimas são palavras que te chamam

E o teu silêncio tem a forma dos teus lábios

Até as águas sentem

Até as aves cantam

Que quando não te tenho também te tenho

Como a chuva a rasgar as pedras

Como o rio ao encontrar o mar.





Manuel feliciano

Absent in body

And when you've also not got you

And your absence in fetuses runs me in the eye

And do you have is you twice

And when you do not have is love

Because there are things inside and outside

Because things exist even without a mouth

And the breeze is propelling your body

And the sea echo of your eyes

And my hands are full of thee two trees

And my tears are words that call you

And your silence is the shape of your lips

Until the waters feel

Even the birds sing

When you have also not got you

As the rain to rip the stones

As the river to find the sea.





Manuel Feliciano

4.12.2011

A sombra do sol

Trago na minha alma

Uma mulher tão magra e húmida

Que me crava enlouquecida os dentes de desejo.

E o meu gemido incendeia o escuro

É a minha dor é um cacho de uvas

E o meu silêncio é carnal e táctil

E eu beijo como quem desenha sem tinta

A estrada que só conhece a pele

Não nos nega nada e a terra é fértil.
Porque os lugares sou eu só que os faço

Porque a ausência é um corpo de astros

E um cheiro que sobeja estrelas.

E como nós dançamos em forma de barcos

E peixes zonzos vagueiam pelo sangue

E os meus olhos doem-me como úlceras

Eu trago-te toda em mim despida

E não ter nada é um orgasmo nas tuas coxas

E não ter nada é um sorriso de boca aberta

E não ter nada é o coração no mundo

E a pobreza em nós é toda chama

E o nosso estômago é um luar cheio de céu.







manuel feliciano

4.11.2011

Mundo

Hoje tu e eu vamos mesmo se há uma chuva de balas

Eu acredito que a canção está mais à frente….



E não é meu amor

Que a minha consciência não me doa

Não é que no meu coração não haja cadeiras de rodas

Camas de hospitais com crianças a chorar



Mas porque há tudo isto

É que eu quero ir contigo mesmo se há uma chuva de balas

A terra tem que me ouvir sem mais espera

O vento tem que deixar escorrer todo o meu pranto

O tempo tem que me abrir toda a luz

Porque eu não tenho mais tempo para escutar as mãos frias

Porque eu não tenho mais tempo para nenhum Deus

Porque eu não tenho mais lugar onde ficar

E eu quero seguir em frente mesmo com os músculos rasgados

Eu quero ir contigo mesmo que me doa

Com a minha consciência em carne lamber o escuro

E plantar o AMOR nas trevas

Eu não quero que sintas que estás só

E para que não sofras eu vou contigo

Como um pássaro bêbado pelo primeiro voo

E alguém ao fundo terá que cantar para nós

E alguém ao fundo terá que nos abraçar

E nos dizer porque diabo é este o mundo

Porque ninguém pode perder o azul que jorra

Porque a vida tão pouco o deixaria.





manuel feliciano









manuel feliciano

Imensidão

É de uma luxúria imensa este medo que não assombra
E a vida há-de ser sempre um lugar muito mais além

Não houve mar porque toquei os teus cabelos no fundo
E quando devia ter tocado o sal só vi o sol

As casas vazias
As casas vazias e magras
Cheias de perfume intenso
Do cheiro contínuo da púbis
Do parto prolongado
Da floresta densa cheia de sons
Do ombigo florescendo nos ouvidos
Da flauta ecoando nos punhos secos
A morte é tão verdadeira como eu estar vivo.

Eu sei que estas latas velhas não são tudo.
Nem o mal nem o bem em que giramos
E a vida é um corpo irrespirável
A luz tem uma voz doce e pulmonar
A vida é tão somente quando acordamos
E temos a ideia de que alguém nos abre os braços
Da cor da primavera e da eternidade
E a primavera é o dia em que nascemos de um sono profundo
E a primavera há ser sempre o dia em que vergamos
Outro tempo em que nos imaginamos perfeitos
Em lugares que dispesam a esperança
Para além de pontes falsas e cheias de abismo

Em que eu e tu não acreditamos.
Da mesma forma que não acreditamos ter nascido.
Não vale a pena nenhum choro. Porque até o choro é de uma diemensão divina
De um poesia perfeita, que nos escuta.
E quantas vezes eu choro, porque o meu coração
Me escuta, e eu penso que estou só, mas no limite da curva, prolongo-me
eu tenho a consciência, que os meus fios de cabelos, desmentem todas as descrenças, e agradeço a Deus por ter nascido.



manuel feliciano

4.10.2011

Silêncio

O meu estômago está cheio de estrelas

É preciso que as escutes contra as tempestades

Que as engulas antes que chova

Ergue as velas dos olhos no escuro

Como quem vai descalço em espinhos

Porque os olhos são colheres vazias

Vê por dentro sem quaisquer muralhas

Os rostos que pouco ou nada dizem

Vê-las é o menos interessante

Escuta-as com o silêncio das mãos

Na força das raízes que crepitam

Com um grito enrolado no oceano

Como se a tua boca chorasse num parto

Como eu habite todo o teu silêncio.




manuel feliciano

Metade de mim

Não sabes o quanto me custa esta verdade

Mas metade de ti eu já tenho

Os meus olhos andam loucos

Como duas fontes cheias de sede

Se a tua face não vêem

Com a mesma verdade que o trigo

Incendeia a terra

Assim a minha boca to quer escrever

Sem ti tenho o desprazer de ver nas árvores

Uma mera chuva destrutiva

E nos jardins sombras de sonhos

E eu sei que os meus cabelos estão vergados de amor

E como tu aqueces a paisagem

E estrangulas o tempo

E desenhas andorinhas na minha boca

Guarda o meu olhar puro e pobre

E as noites serão perfeitas

Mesmo com a morte

Mas não me dês nada

Diz-me só com os olhos cegos que me amas

E deixa que as minhas pálpebras

Desinchem no teu umbigo

A tumefação das caravelas no mar

Sem gestos que quebrem a tua aura

Também não te canses com as palvras

Deixa só o teu perfume cantar canções

Porque eu tenho medo se não me olhares

De provavelmente nunca ter nascido.




manuel feliciano

O amor

Meu amor sente de longe o amor comigo

Mas não me queiras dar os teus cabelos

Deixa que eu conte os séculos nos fios

O tempo em que andavamos desnudados

Em que tinhamos fome mas eramos felizes

E nos alimentavamos do cantar das aves



Também por ventura não me dês as mãos

Porque importa-me que elas sejam pássaros

E que levantem sempre quando as toque

Comer-lhe uvas em dias quentes de Verão

E quando o Inverno se apoderar da pele

Deixa que elas sejam o meu próprio fogo



E se o teu sorriso me quiser assaltar a boca

Deixa uma nesga de fora para tomar mais tarde

Senão eu saberei já tanto do campo e das flores

E eu quero-te degustar como pela primeira vez

Em que latejavamos para saber o que era um beijo

E o amor era o desejo de mãos dadas em gestação.







manuel feliciano

4.09.2011

Animalidade

Hoje eu quero ser cão e não mais que cão

Se me prometeres que me dás migalhas

Da tua bela boca com as quais te dispo

Nesse teu sorriso de pérolas

Com o conforto de que há tudo

Nas sílabas virgens da pele

Que o estômago vazio sonha

Eu juro que isto é muito mais que o céu

Que o aveludado da comida

E se por ventura

Me quiseres dar as mãos

Eu preferia que mas desses frias

Porque são as frias que têm os barcos

E que esperam comigo lapidar caminhos

Evolar-me numa nuvem cor de rosa

Ver-te dançar alegre nos meus ombros

Corrermos por entre campos tão líquidos

Sentir o orgasmo na flor que não seca

E se por ventura mas quiseres dar quentes

É provável que o teu peito seja um texto cheio

Que não permite os mistérios da minha língua.




manuel feliciano

4.08.2011

A menina da pastelaria

A menina da pastelaria

Que me vendia pasteis

Na seda fresca das manhãs

Perguntava-me a sorrir

Se eu queria o pastel de sempre



E as suas mãos

Eram uma prisão

E os seus olhos

Candelabros por acender

E o seu corpo

A raíz quadrada da flor



Mas no mar

Que lhe trasbordava da boca

Eu e ela

Molhamos as mãos e os pés

Saltamos as pedras

E desatamos lágrimas

Dissemos não

Às árvores de aço

E choramos mel

Nos olhos sôfregos de amor





E eu nunca soube

Quem era a menina

Da pastelaria

Nem tão pouco a vi

No jardim da vida

Senão na farinha

Húmida do meu ser.







manuel feliciano

4.07.2011

Almas gémeas

Eu e o meu pensamento

Somos duas pessoas

Embrionárias de sol

De mãos dadas rua abaixo

E o acto de pensar

É uma faina de gente

E o meu coração

É uma mulher donzela

Lançando-me olhares

Em cada esquina da vida

Na promessa de peixes

Aturdidos num beijo

Perdoem-me todos aqueles

Que são escravos da carne

Os que não se encontram

Na cápsula de si mesmos

Como as coisas ganham

Um trago amargo se as toco

Só os braços ao longe me consolam

Eu que não sei nada da chuva

Depois que a terra com amor a sulca

Quanto menos tenho mais sinto as coisas

Como me assassinas com a saliva nos lábios

Para mim basta-me a ideia de um beijo

Porque a ideia de um beijo é um rio de coisas

E um beijo quando dado é a morte de tudo

Só o impossível me arde e me afaga

E é o único Deus que me transforma o mundo.







Manuel Feliciano

3.25.2011

Corpo desfolhado

Se o Outono chegar esta tarde
Eu visto-me com toda a sua nudez
Que me importa o que ele diz
Nos cabelos dourados de árvores
Em frutos no poente dos lábios
Em canoas no sangue da chuva?
Eu não morro com as flores
Habito fora de mim mesmo
E sou tudo o quanto penso
Distância sem qualquer longe
Arado lavrando-te o corpo
Onde o amor espera a palavra
Em folhas que o chão almejam
E a minha alma que não é cadáver.


manuel feliciano

Amor desencontrado

Na adolescência eu tive um grande amor

Que vinha comprar rebuçados para nos olharmos

E pelo caminho apanhava figos e não tinha fome

Cortava uvas e não tinha sede

Como uma forma de nos acariciarmos

E porque a voz nos falhava

Quando queriamos dizer amor

As uvas e os figos eram os beijos e as palavras

Que trocamos sem querer

Hoje eu lembro como quem te reencontra

Na loucura de um verão quente

Com as pálpebras bêbedas de sede

A milésimos de cortar a meta

E concordo que um grande amor será sempre

Um jardim desencontrado!





manuel feliciano

3.22.2011

Primavera

Quando a primevera chegar eu não estou
Ainda que escreva cartas de amor nos seios
O meu olhar desdobra-se noutro jardim
Na consciência de outra infinitude...
Que não esta que bate em horas solúveis
Que esconde mãos em pétalas que caem
Que não pulsa a boca da fenda da brisa
Nem tão pouco espelha o céu na terra
Enquanto as flores e as aves forem outras
Por cima de um sinal que sempre tarda
Eu vou-me numa outra primavera
Num grito que me mostre outros lugares
Que esta tão imensa cansa por ser breve !


manuel feliciano

3.21.2011

Cansei-me das mãos presas nas algas
Do mar revolto dentro das ancas
Do amor em andorinhas de neve
Do mel em luzes de candeeiros
Do olhar tirano no rubor das rosas…

E ergui as almas nas telhas vermelhas
O sangue do sol na poeira das bocas
Amadureci o céu no colo do húmus
E afoguei a morte dentro das árvores
Entreguei ao nada os que nada sentem.

Para que os olhos se são trapos nos bolsos?
E o coração se é uma folha sem barcos…

Eu que me vi ao espelho e não sei de mim
Estou bebedo de pássaros no lume da água
De pétalas de estrelas no álcool da brisa
Em pontes de névoas num rio de cabelos
Porque os meus olhos são de outra loucura.

Se cada olhar fosse um parto e doesse…
As mãos ausentes provavelmente eram ninhos!



manuel feliciano