1.06.2011

poemas em 5 dias



Elegias



A tua mão branca


Dá-me a tua mão branca
A que chora com olhos à janela
Aquela que ninguém vê da rua
Beijada pelo sal dos astros
Que diz anjos com os lábios fechados
Na que ninguém semeia os dedos
E deita o rosto cansado
Que existe e é de mar e lua
E que os invisuais vêem nitidamente
Dá-me a tua mão branca
E acredita que também é minha
E deixa-me escutar os deuses nos nódulos
E auroras que outras mãos esmagam
A que dá frutos sem precisar de terra
De beijos lábios e sorrisos
E voemos em asas de adorinhas.





manuel feliciano






A riqueza





A riqueza! A tão célebre riqueza
É-me o sol parido na boca
A minha alma no bico dos pássaros
As minhas costas pasto de ovelhas
É um ribeiro seco de sorrisos cheio
O meu cérebro em gargantas amargas
As minhas mãos prenhas nas pedras
Os meus olhos vestidos de vênus
Os meus pés dançando nas vagas
O meu corpo despido nas árvores
Sangrando aneis fulgentes de estrelas.






manuel feliciano










Os grandes amores


Os grandes amores só são grandes porque são cegos
Nenhum ser amaria se realmente visse
Os corpos e as almas deturpadas dentro de anjos

As mulheres que me diziam sobejamente belas
Vi-as naturalmente em leitos imundos
E as mais feias tinham requintes de deusas

Não falo daquelas que colhi nas têmporas das nuvens
Nem em verdes silvados de amoras
Senão com quem troquei beijos de saliva e carne
Escritos com a tinta húmida dos cabelos

Os quais descongelaram estátuas de mármore
E nos prenderam com as mãos voando em aves
Numa ilha inacessível de condenados!





manuel feliciano






A puta da vida



Como é desumana a puta da vida
Tão desumana que não merece um verso
Nem saliva lambendo flores de pedra
Nem mãos aos céus se os deuses não esperam
E ruas abertas que dão para braços sem nada
Para quê lhe sorrir se é uma fisga apontada
Eu prefiro-lhe dormir nas brasas das ancas
Mas tenho-lhe rezado neste mar incauto
Enquanto navios partem cansados na areia
Roucos e brancos em ondas por telhados imóveis
Com o destino para húmidos lugares secretos
Que fiz da amargura uma ilha cheia de tudo
E de suspiros de ferro uma luz na garganta
Como é desumana a puta da vida
A puta da vida como é desumana
E enquanto isto visto-me com mel e pimenta
E há rios tão sujos que me mataram a sede
E na roda viva de ouro em cima de um jumento
O azul tem rebuçados para chupar só hoje
E uma gata ao colo parece andar já prenha!



manuel feliciano




O Corpo é um verme


Um fato no qual não caibo
De que importa ser belo
Se me aperta no colo
O verme que o sol vomita
Bordado a pão de ló na lapela
Fujo para que não me encontre
Porque quero ser outro desenho
Que ninguém custurou em Paris
Enquanto lhe cuspo o pó da traça
Que trás dentadas de um cão
Desconheço quem mo deu
Não mo passem a ferro
Que a vida é engelhada
Mas se mo deram com gosto
Deixa-o chupar o desgosto
No céu estrelado do chão
Desaperta-mo em gritos de gozo
Em chuva lambendo-o tão bem!



Manuel feliciano







Os teus cabelos




Os teus cabelos escrevem-se com sorrisos de deusas
Tocam-se em laranjas e gomos de guitarras
Bebem-se nas águas das vogais do olhos
Que só tu e eu despimos em estrelas fulgentes
E tu amor, quando me estendes os teus braços
E eu corro como uma criança aturdida para o teu colo
Os teus cabelos voam-me, mas não se dizem com os lábios
Senão com corações que batem desenhados sobre nuvens
Sentem-se como húmidos bejos nas asas de pássaros
Amam-se com a terra e a chuva que sedentos se gretam
Cada fio é um pedaço de voz nas mãos quentes do sol
São uma pedra susurrada onde guardamos perfumes
Onde nascemos e morremos todos os dias como o tempo
Enquanto nossas bocas trémulas se põem na letra c
E todos os outros caracteres são os lençóis de nossa cama!





Autoria de manuel feliciano

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