4.25.2011

Viris Sombras

Hoje uma voz disse-me que eu era eterno

E que as pedras afinal têm garganta e carne



Como que um vulto a engolir o deserto

E uma pápebra a consomir-me todo o pó

O pó de andar sempre à procura de não ter pó

E brilhar num grito

De uma púbis tão virgem

Cheia de palavras

E de um tesão branco



E uma laranja inchada respirou-me a alma



Que vida tão lubrificada escrita nuns lábios tão surdos





Que têm a sabedoria de ter a surdez do teu pântano

Retalhado nos collants do céu



Como se um choro enraizasse nas têmporas do tempo

E uma luz lambesse bocados do escuro



Com galáxias dentro de um lugar inabitável

Cheios de seres sem corpo

Uma noite coube-me toda na vulva da voz

De uma memória tão húmida

E gástrica que me ardeu nos neurônios

E o amor ressucitou pássaros de ervas já secas

E as minhas mãos



Onde estavam as minhas mãos?

Num décimo andar

Onde nenhum homem se lembra de cobrar impostos

Nem ninguém pensa dactilografar

No meu umbigo

Abelhas nos vasos das flores do canteiro

A sociedade vista de cima

Sombra do meu pênis a latejar

E ainda bem que se esqueceram de mim

E todos os frios se lembram de me trazer

Os teus seios para me aquecerem

Que não me trouxeram a esperança mirrada nos figos



E porque as minhas mãos estavam livres

Mamei o leite nas friestas da fome

Como quem vê o rio

A fugir ao longe

Trémulo de febre

Nas águas furtadas de um telhado





E ao longe num ocenano que eu mesmo desconheço

Eu esculpo nesta cicatriz com quem a purifica

O amor que ainda é uma árvore dúctil a nascer na chuva





E dou por mim a vir-me na quilha de um navio

A foder todos os séculos que ainda estão por vir

Que todos os que já foram não me sabem a nada.




manuel feliciano

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