6.12.2014

Os barcos e o rio que se repetem aos meus ombros neste Douro, só o teu corpo, seara que me talha o beijo, O que me traz e leva é este chão, esta planura cheia de brisa de ti. Quem me dera os teus cabelos e as tuas costas, que eu já não tenho, e tenho sempre semeados dentro de mim.
Quem me dera fosse um beijo a saber a não saber, e nessa busca húmida a cheirar a boca tenra e a ar fresco do mar, fosse um fruto inteiro por desvendar em gotículas de saliva. Quem me dera essa luz, fosse o teu rosto inteiro a não acabar junto do meu.
Eu não sei o que são barcos, porque barco só és tu, eu sou mero naufrágio ao leme das tuas mãos, o rio o teu colo profundo, a cidade inteira a vergar de luz, quando fecho os olhos ainda és tu, ervas e sementes que não morrem num verão quente, frutos que se recolhem nas flores.
Eu não consigo imaginar um cais um rio, uma cidade, um barco fora dos teus olhos, da tua boca a tocar a minha, porque um barco é sempre que as tuas mãos pousam, o mar alastra e as gaivotas voam, é sempre que os jardins mais adormecidos acordam, entre as névoas e me dão sol. Tenho sede de ti como a primavera que não traz verão, só fruto a beber na flor. A minha garganta é uma nuvem que se desfaz no perfume do teu olhar. Morro-me a cada braço de árvore que cresce, a cada fonte que jorra a sua água, como quem nasce dentro de ti, Tu és quem é tudo, nesse silêncio profundo que me dói de flor arrancada antes da primavera a arder-me , Amo-te são os únicos barcos que existem, com os olhos suspensos no movimento do teu corpo a florirem na tua boca. Tu és a água que alimenta a fundura dos rios, os jardins desabitados, em mim sei que floresces, és ninho e pássaro, mesmo se as árvores já morreram tu permaneces inteira como a primeira árvore a rasgar-me a pele, a lascar-me a boca, a agarrar-se-me ao coração sem barcos na profundidade da tua água respiro-te e pintas de verde as ervas secas dos meus lábios.

Manuel Feliciano

Sem comentários:

Enviar um comentário